O ministro das Relações Exteriores de Angola, Manuel Augusto, declarou, em Nova Iorque, que as reformas levadas a cabo pelo Presidente João Lourenço começam, em breve, a surtir efeitos positivos na vida dos cidadãos. O que significa “em breve”? Ninguém sabe. Até agora já lá vão 44 anos de governação do MPLA e os resultados são os que se conhecem.
Quando assumiu o poder (embora fizesse parte do poder há muitos anos), em Setembro de 2017, o Presidente da República, João Lourenço, herdou – diz o MPLA – um difícil cenário económico e financeiro, originado pela queda do preço do crude, com grandes repercussões na qualidade de vida da população.
O chefe da diplomacia angolana disse estar ciente (também não se sabe o que isso significa no léxico do MPLA) das expectativas criadas pela sociedade em relação às políticas do Executivo para relançar o desenvolvimento económico e social do país.
“Temos procurado informar a sociedade que, para colher, é preciso plantar e o que o Presidente João Lourenço tem feito, ao longo desses dois anos, é plantar para podermos brevemente colher os frutos dessas reformas, que são inadiáveis”, elucidou Manuel Augusto. E tem razão. O problema está que o Presidente do MPLA e da República e Titular do Poder Executivo ainda não percebeu que, por exemplo, plantar couves com a raiz para cima não resulta.
Para o ministro, que falava à imprensa, na antevisão do discurso de João Lourenço na 74ª sessão da Assembleia Geral da ONU, o mundo acompanha com muita atenção as reformas prometidas, propagandeadas e maquilhadas pelo Executivo angolano.
“Há uma nova Angola aberta ao investimento e determinada a fazer uso dos imensos recursos que tem”, disse o ministro Manuel Augusto, que considera positivo os dois anos de mandato do Presidente João Lourenço.
Claro que considera positivo. Se o não fizesse seria exonerado. Além disso, bem que poderia explicar ao mundo e, já agora, aos angolanos, que “os imensos recursos” só foram descobertos com a chegada de João Lourenço ao Poder. É isso, não é ministro Manuel Augusto? Até então esses “imensos recursos” estavam fugidos e a residir em parte incerta.
Manuel Augusto elogiou (quem diria?), por outro lado, a coragem e determinação do Chefe de Estado em encontrar soluções para solucionar os vários problemas que o país enfrenta notando que, ao longo desses dois anos, várias mudanças se verificaram no país.
Mais uma vez o ministro tem razão. Nestes dois anos de governação de João Lourenço foi possível pôr os rios a desaguar na foz, as semanas a ter sete dias e os dias 24 horas, bem como ensinar com inegável sucesso os angolanos a viver sem comer.
“A coragem em identificar os problemas e soluciona-los é um facto que se deve realçar”, observou Manuel Augusto na mais servil e bajuladora posição de quem, para manter o tacho, prefere “matar” o chefe com elogios do que o salvar com críticas. É mesmo o MPLA no seu melhor.
Convenhamos que, tal como João Lourenço, apenas tendo regressado a Angola em 2017, Manuel Domingos Augusto (que nasceu a 2 de Setembro de 1957 em Luanda), pouco mais poderia ter feito.
Os opositores, que tanto gostam de azucrinar os ministros e o Presidente, irritando solenemente o Departamento de Informação e Propaganda do MPLA, bem como a sua sucursal para a comunicação social (ERCA), dizem que – afinal – Manuel Augusto sempre esteve em Angola.
Dizem que foi Secretário de Estado das Relações Exteriores; Secretário de Estado das Relações Exteriores para os Assuntos Políticos; Embaixador na Etiópia e Representante Permanente junto a UA e ECA; Vice-Ministro da Comunicação Social; Embaixador de Angola na República da Zâmbia; Chefe da Primeira Missão na República da África do Sul; Primeiro Secretário da Embaixada de Angola na Nigéria; Chefe de Sector para os Países Ocidentais (Estados Unidos da América; Canada, Japão, CEE) da Secretaria de Estado da Cooperação; Jornalista do Pravda (Jornal de Angola) e da Televisão Pública de Angola e perito e Chefe de Recursos Humanos do Jumbo- Pão de Açúcar.
Um ministro para todos os serviços
“A ngola conduz um processo de consolidação da paz baseado na inclusão que permite ultrapassar incompreensões, restabelecer confiança entre as pessoas e lançar bases para uma paz duradoura”, afirmou, dizia em manchete o Pravda do MPLA, nas Nações Unidas, o então secretário de Estado das Relações Exteriores do Governo de… José Eduardo dos Santos. Foi em Janeiro de 2015 e o homem chamava-se Manuel Augusto. Hoje é ministro.
De acordo com o Boletim Oficial do regime, Manuel Augusto, que discursava no debate aberto do Conselho de Segurança subordinado ao tema “Desenvolvimento inclusivo para a manutenção da paz e da segurança internacional”, disse que “Angola desenvolve um programa económico e social de reintegração de segmentos da população vítima do conflito armado, especialmente ex-combatentes e famílias”.
Como os ouvintes da ONU têm uma noção do que é Angola real como, por exemplo, os jacarés que se alimentam dos inimigos do regime têm do que é a democracia, todas as aleivosias podem ser ditas. Foi, mais uma vez, o caso. E o homem não lhe perdeu o jeito.
No debate, que teve como moderadora a então Presidente do Chile, Michele Bachelet, e no qual participou o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o secretário de Estado do MPLA disse que “nos países que emergem de conflitos armados, a consolidação da paz deve realizar-se no quadro de um processo inclusivo que permita ultrapassar incompreensões, restabelecer a confiança e lançar as bases para uma paz duradoura”.
É verdade. No caso de Angola a paz foi conseguida há 17 anos e o regime pensa começar a implementar o “processo inclusivo que permita ultrapassar incompreensões, restabelecer a confiança e lançar as bases para uma paz duradoura” dentro de, talvez, 30 anos. Mais vale tarde do que nunca, dirão com a sua atávica hipocrisia os membros da ONU.
Manuel Augusto considerou então importante a aplicação de políticas adequadas, com impacto positivo, nomeadamente nos domínios da educação, do diálogo social e da inclusão social e económica.
“O secretário de Estado garantiu que as políticas de inclusão social que Angola desenvolve comportam igualmente a promoção de género, em especial da mulher rural, que está gradualmente a tomar um papel mais assertivo, ocupando lugar de direito na comunidade”, retratava o JA, no seu habitual culto à divindade suprema do patrão.
“Uma governação inclusiva é o melhor garante para se obterem ganhos de representatividade e de efectividade para o desenvolvimento económico, a harmonia social e um desenvolvimento humano efectivo”, referiu Manuel Augusto na leitura do texto que lhe foi entregue.
O diplomata considerou que a exclusão territorial “é o ponto de partida para a existência de forças centrífugas que podem levar à fragmentação territorial dos Estados,” acrescentando ser necessário que “todas as regiões que compõem um determinado país sejam tratadas de igual modo, assim como os seus habitantes, para reforçar a identidade nacional e salvaguardar a integridade territorial”.
Mais coisa menos coisa era isso mesmo que o regime colonial dizia quando se referia a Angola, ou quando o governo indonésio falava da sua “província” de Timor-Leste. Mas a tese era tão boa que Manuel Augusto hoje é ministro.
A inclusão nacional, realçou o porta-voz do regime, contribui decisivamente para a coesão e a harmonia social e consequentemente para a mobilização efectiva dos cidadãos, para os grandes desígnios ligados à paz e ao desenvolvimento harmonioso.
“É nos países de carácter multiétnico que os desafios da inclusão se revelam de maior complexidade. Para a ultrapassagem da tendência natural à exclusão do outro, baseada na diferença, é fundamental que os Estados abordem os problemas da etnicidade com particular sensibilidade, de modo a não permitir que qualquer grupo seja marginalizado, promovendo a plena convivência e a igualdade de oportunidades para todos”, disse.
Não fosse esta afirmação dramática por ser falsa, certamente que os milhões de angolanos marginalizados (20 milhões são apenas e só… pobres), também por razões étnicas, se fartariam de rir. Mas, embora rir seja um bom remédio, a barriga vazia não ajuda a ter boa disposição.
Manuel Augusto disse que a inclusão social compreende a cultura da paz, da tolerância e da plena aceitação da diferença inerente à pluralidade social, bem como de género na formulação das políticas nacionais.
O orador acentuou que “a exclusão económica geralmente é a causa dos conflitos” e que a inclusão económica, “enquanto expressão da participação de todo o tecido social no usufruto da riqueza nacional, revela-se um bem tangível de importância crucial para a consolidação do sentimento de pertença e para a participação efectiva de todos no trabalho e no usufruto do trabalho de cada um”.
Para provar a sua tese, Manuel Augusto bem poderia ter dito que em Angola poucos têm milhões e milhões têm pouco, ou nada. Não o disse, obviamente. E não disse porque, legitimamente, não quer entrar na cadeia alimentar dos jacarés. Apostou bem. Hoje, e por enquanto, é ministro e tem a total confiança de João Lourenço. Amanhã se verá.